O protagonismo preto e a cadência perfeita apresentado no enredo da Portela

O carnaval já acabou, mas ainda reflete no nosso cotidiano. O carnaval carrega uma responsabilidade ímpar, assume diversos significados. Configura com uma das principais ferramentas de letramento e resgate identitário. 

O Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela (detém o posto de maior campeão do carnaval do Rio de Janeiro, com 22 títulos), ficou com o 5º lugar no carnaval carioca de 2024. Inspirado no livro “Um defeito de cor”, o desfile causou alvoroço ao abordar o preconceito. Criado pelos carnavalescos André Rodrigues e Antônio Gonzaga, trouxe com maestria a obra-prima da escritora Ana Maria Gonçalves, na qual uma mulher negra conta, em 1ª pessoa, a história de sua vida. A escritora sabe o poder que isso tem e afirmou em uma entrevista na TV Cultura – que: “ao contar a nossa história, a partir do nosso ponto vista – como protagonista, como narradora -, contamos a história oficial do Brasil. Reivindicamos esse papel que sempre foi assumido pelo homem branco: que fala sobre nós sem nos ouvir”. 

Por Pollyne Avelino  – Criadora do Coletivo Mães de Wakanda

A Portela trouxe como samba enredo uma homenagem ao livro “um defeito de cor”, que narra a história de uma mãe africana roubada do continente para o Brasil. A personagem principal Kehinde também conhecida como Luísa Mahin foi envolvida na revolta dos Malês de 1835, tornou-se símbolo da resistência de mulheres negras no Brasil.

O último carro alegórico da escola trouxe as mães negras que perderam seus filhos para violência, simbolizando o reencontro de Luiza Mahin com o filho Luiz Gama e fixando na memória do povo a crítica explícita através da arte e da cultura a um sistema onde mães negras são alvejadas pela violência desde sempre nesse país.

Eu como criadora de um coletivo de mães negras (Mães de Wakanda) e produtora cultural de eventos para esse público fiquei extremamente tocada, já havia lido o livro de Ana Maria Gonçalves num dado momento da minha vida e foi uma experiência de pertencimento, dor e consciência e o assistir a obra representada na Avenida foi emocionante. Ao meu ver a Portela foi certeira em levar para avenida a história, a dor e a luta de uma mulher negra, trazendo força, representatividade e reflexões para a população.

O coletivo Mães de Wakanda foi criado para que mães negras pudessem ser humanizadas, nosso compromisso é proporcionar saúde mental, bem estar social e qualidade de vida para mulheres que ainda carregam nas veias, na alma e no cotidiano as dores e as violações de um período escravocrata.


Nosso outro objetivo é conscientizar a sociedade e romper com ciclos inacabáveis de violência dessas mães, e o desfile da Portela foi essencial para que esse debate tome a força que precisamos.


Hoje o projeto sociocultural de realização do CEAP –  Centro de Articulação de Populações Marginalizadas, em parceria com o coletivo conta com o apoio do Ministério da Igualdade Racial, e tem um programa de trabalho até Maio de eventos voltados para apoiar essas mulheres no que tange a sobrecarga da maternidade solo, o enfrentamento do racismo estrutural e institucional e as oportunidades no mercado de trabalho.

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